Opinião
Quatro sentidos
Por Evoti Leal
Barbeiro e escritor
Em uma cidade do interior paulista, o casal Júlio e Juliana, ambos deficientes visuais, completa 25 anos de perfeita harmonia conjugal e felicidade junto de seus dois filhos, Carlos, de 23 anos, e Carla, de 21.
A título de comemoração pela importante data, os jovens preparam uma surpresa aos genitores.
Pelo meio da tarde, ambos acompanharam os pais, levando-os a uma das lojas de perfumaria mais tradicionais da cidade, onde eles puderam sentir vários aromas, dos quais alguns lhes trouxeram as mais gratas recordações de dias muito felizes vividos ao longo de todos esses anos de dedicação e amor recíprocos.
Foram também a uma loja de chocolates artesanais, cujo cheiro gostoso lhes fomentava as mais longevas saudades.
Ao cair da tarde, adentraram um restaurante de velha fama, onde, em um dos amplos salões, aguardavam o casal cerca de 30 pessoas, entre amigos e parentes. O desafio agora seria eles reconhecerem a cada um dos presentes pelo tato. Mãos nos rostos, cabelos, braços, mãos, iam adivinhando a quem pertenciam essas partes do corpo. O primeiro a reconhecer cada pessoa deveria aguardar para só revelar sua identidade após o outro dizer que também já sabia de quem se tratava.
Foi muito divertido.
Quando a noite chegou, foram todos se acomodando para o jantar. Ao provar cada uma das opções do variado e delicioso cardápio, o casal fazia as mais animadas e engraçadas "caras e bocas", acompanhadas de interjeições tipo "hummm!", "Afff!", "Nooossa!"
E risos alegres que não acabavam mais!
Provaram deliciosos vinhos e drinks, com moderação, é claro, para que não se alterassem além da conta.
Finalmente, já postada em um palco existente ao fundo do luxuoso recinto, uma orquestra de câmara, vinda da capital, contratada para a noite de gala, entoou, aos ouvidos do romântico par em bodas de prata, músicas como:
Vá pensiero, de Verdi; Nessun dorma, de Puccini; e Bodas de prata - valsa brasileira, de Mário Rossi e Roberto Martins (gravada por Carlos Galhardo, depois por Francisco Petrônio), belamente cantada pela voz muito doce e meiga de um dos integrantes da orquestra.
Além destas canções, executadas com os mais harmoniosos arranjos instrumentais, uma parte da orquestra desmembrou-se, rapidamente, e fez com que todos os presentes se deliciassem e dançassem ao som de O milionário e Czardas, em um cover perfeito do querido grupo Os Incríveis, conhecido de todos que passaram pelo movimento da Jovem Guarda, da saudosa década de 1960.
Tema para jovens enamorados, Tema de Lara e Love Story, também fizeram parte do excelente repertório.
Como esta história e seus personagens são fictícios, tomo a liberdade de situar este evento nos anos 199O, justificando a escolha do repertório, compatibilizando-o com a média de idades de seus protagonistas.
Em prol da verdade, compus este texto com base em uma história real, contada de modo um pouco diferente no livro Momento Espírita, volume 11, da Editora FEP, à página 81, sob o título "Inusitada comemoração".
Na mensagem, o filho, ao comentar a linda festa preparada para os pais, diz: - "Aprendemos, desde cedo, com eles, que na vida podemos assumir uma de duas posições: lamentar pelo que não se tem, ou aproveitar ao máximo o que se tem, com otimismo e alegria".
Dos cinco sentidos, um, a vida negou ao casal, por motivos que só a vida os sabe. Os outros quatro lhe foram dados e, conforme a narrativa, todos foram muito bem aproveitados.
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